quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Sistemas de cultivo em meios heterotróficos (Bioflocos)

Sistemas de cultivo em meios heterotróficos (Bioflocos)

Água contendo bioflocos.
Um dos grandes problemas ocasionados pela piscicultura e pela carcinicultura é a utilização de volumes expressivos de água e a geração de efluentes contaminados e com alto teor de nutrientes. 

O uso de sistemas não convencionais de cultivo de organismos aquáticos, em especial peixes e camarões, pode representar para os produtores uma nova alternativa economicamente viável e ambientalmente correta. Neste sentido, têm sido realizados diversos estudos que visam a produção de organismos aquáticos com volumes reduzidos de água, dentre os principais destaca-se o sistema de bioflocos (BFT – Bio Floc Technology). O sistema de bioflocos tem sido empregado na aquicultura desde o início da década de 90 e consiste na baixa ou mesmo na não renovação da água utilizada nos sistemas de produção.

Sistemas de cultivo de peixes e camarões com a presença de bioflocos assemelham-se aos sistemas com recirculação de água nos quais não há presença de filtros mecânicos ou biológicos. Os bioflocos caracterizam-se como partículas orgânicas que permanecem em suspensão na água ou aderidas às paredes dos tanques ou viveiros de produção. Sobre estas partículas de material orgânico, desenvolve-se uma série de organismos microscópicos como protozoários, fungos, rotíferos, oligoquetos e uma grande diversidade de microalgas e bactérias heterotróficas.

Fazenda de cultivo de camarões em sistema
de bioflocos em operação no Vietnan.
Os resíduos orgânicos provenientes da produção, como fezes e sobras de ração decompõem-se e atuam como substrato para a multiplicação das bactérias heterotróficas. Estas mesmas bactérias são fundamentais para o sistema, pois utilizam compostos orgânicos nitrogenados, que são potencialmente tóxicos aos peixes e camarões, como a amônia, o nitrito e o nitrato, eliminando-os do sistema, ao incorporá-los através da síntese de proteínas e biomassa microbiana. Este processo também pode ser utilizado para a melhoria da qualidade dos efluentes gerados pela atividade.

O acompanhamento dos níveis adequados de oxigênio, pH e alcalinidade nos tanques ou viveiros de cultivo é necessário para que esses processos microbianos ocorram de forma eficaz e contínua. O êxito no manejo do sistema depende do equilíbrio entre a produção dos resíduos orgânicos e a capacidade de assimilação do ambiente de cultivo.

Com o propósito de proporcionar a expansão e a manutenção das bactérias heterotróficas através da alta relação C/N do meio, faz-se necessário o emprego ao sistema de uma fonte de carbono como açúcar, melaço ou farinhas com alto teor de carboidratos como as de trigo ou milho. A utilização destes produtos deve ser realizada levando-se em consideração a concentração de nitrogênio no ambiente de cultivo. A relação C/N ideal deve seguir a proporção próxima de 20:1 e nunca inferior a 10:1, conforme observado em trabalhos realizados com o camarão Litopenaeus vannamei, o camarão de água doce Macrobrachium rosenbergii e com diversas espécies de peixes, como a tilápia-do-nilo Oreochromis niloticus, a tainha Mugil cf. hospes e o jundiá Rhamdia quelen.

Bioflocos vistos no microscópio.
Sistemas de cultivo com bioflocos apresentam uma série de vantagens em relação aos sistemas convencionais como, o aproveitamento de locais com restrição de espaço e disponibilidade de água, o uso reduzido ou inexistente de renovação da água do sistema e o reduzido descarte de efluentes. Em condições adequadas de manutenção, os bioflocos podem apresentar níveis bastante elevados de proteína bruta, condição esta que permite com que as espécies cultivadas se beneficiem dos bioflocos como fonte de alimento, possibilitando a redução do uso de alimento exógeno e dos custos de produção, caracterizando assim a principal vantagem do uso deste sistema de cultivo.

Em contrapartida, sistemas de cultivo intensivos com bioflocos demandam maiores investimentos em especial, com mão-de-obra, instalações e equipamentos como estufas, bombas, aeradores. A demanda por pesquisas com nutrição, estruturas de cultivo, sistemas de aeração, reuso de água, características nutricionais dos bioflocos e dos microrganismos que compõem o sistema e a utilização de diferentes fontes de carbono são fundamentais para que ocorram avanços no desenvolvimento dos sistemas de cultivo com bioflocos.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

AVNIMELECH, Y. (ed.). Biofloc technology, second edition. World Aquaculture Society, Baton Rouge, LA. 2009.

HARGREAVES, J. A. Biofloc production systems for aquaculture. SRAC Publication. No. 4503, p. 12, April 2013.

JIMENEZ, M. A. V. Condição fisiológica e imunológica do camarão-rosa do Golfo do México Farfantepenaeus duorarum (Burkenroad, 1939) cultivado em Sistema BFT (Bio-Floc Tecnology). Dissertação mestrado. Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande/RS, Brasil. Dezembro, 2009.

KUBITZA, F. Criação de tilápias em sistema com bioflocos sem renovação de água. Panorama da Aquicultura, vol. 21, no. 125, maio/junho, 2011.

MEGAHED, M. E. The effect of microbial biofloc on water quality, survival and growth of the green tiger shrimp (Penaeus semisulcatus) fed with different crude protein levels. Journal of the Arabian Aquaculture Society, vol. 5, no. 2, December, 2010.

ROCHA, A. F. da; ABREU, P. C.; WASIELESKY JR, W. & TESSER, M. B. Avaliação da formação de bioflocos na criação de juvenis de tainha Mugil cf. hospes sem renovação de água. Atlântica, Rio Grande, 34(1) 63-74, 2012.

SCHRYVER, P. de; CRAB, R.; DEFOIRDT, T.; BOON, N. & VERSTRAETE, W. The basics of bio-flocs technology: The added value for aquaculture. Aquaculture 277, 125-137, 2008.

XU, W-J. & PAN, L-Q. Dietary protein level and C/N ratio manipulation in zero-exchange culture of Litopenaeus vannamei: Evaluation of inorganic nitrogen control, biofloc composition and shrimp performance. Aquaculture Research, 1–10, 2013.

WASIELESKY, W.; ATWOOD, H.; STOKES, A.; BROWDY, C. Effect of natural production in a zero exchange suspended microbial floc based super-intensive culture system for white shrimp Litopenaeus vannamei. Aquaculture, v.258, p.396-403, 2006.

Por André Luiz Vicente - Publicado em 17/07/14


Sistemas de cultivo em meios heterotróficos (Bioflocos) – PARTE 2


Atualmente, a produção mundial de pescado está em torno de 140 milhões de toneladas e ainda existe uma demanda adicional de consumo de peixe. Concomitantemente a este crescimento, procura-se aprimorar as técnicas de cultivo a fim de tornar a piscicultura uma atividade mais sustentável e sem que haja prejuízo nos parâmetros zootécnicos. Dentro deste contexto insere-se a tecnologia de bioflocos (TBF), que é uma técnica que pauta o controle da qualidade da água de cultivo através do correto balanceamento entre as concentrações de carbono e nitrogênio, bem como a presença intensa de atividade microbiana, criando um ambiente rico em proteína proveniente dos microrganismos.

Esta produção proteica realizada por seres heterotróficos se dá utilizando matéria orgânica resultante tanto dos dejetos dos peixes, quanto do montante que advêm da ração não consumida e se acumula no ambiente. Desta forma ocorre uma reciclagem da matéria orgânica que compõem o sistema de produção. Reciclagem esta que somente é possível se houver uma proporção ideal de carbono:nitrogênio dentro do sistema, sendo preconizado tal razão acima de 10:1, respectivamente. Com isso, as bactérias são capazes de assimilar os compostos nitrogenados do meio e sintetizarem flocos que servirão de substrato para as mesmas bem como depósito de matéria proteica produzida por estes seres. Todas estas condições, aliadas a uma forte aeração e movimentação da água, levam à formação dos bioflocos, que, em conjunto com outros organismos presentes (protozoários, oligoquetas, leveduras e microalgas), servem de fonte nutricional para os peixes do cultivo.

Outras vantagens que cerceiam esta tecnologia são: possibilidade de reaproveitar a água advinda do ciclo produtivo anterior para aquele que virá, servindo a mesma de inoculo para que uma nova leva de animais seja introduzida; menor possibilidade de introdução e proliferação de microrganismos maléficos à sanidade dos peixes, pois a população microbiana presente é capaz de atuar dificultando e até mesmo inibindo possíveis patógenos; alta densidade de produção, uma vez que o alimento se encontra disperso por toda a coluna de água, o que minimiza a competição entre os animais e aumenta a eficácia de captura do alimento pelos mesmos; menor volume e concentração proteica das rações utilizadas, o que leva a uma diminuição nos custos envolvendo a alimentação, que podem significar em uma piscicultura à considerável fatia de 70% do custo total de produção.

Temática do estímulo do crescimento bacteriano heterotrófico através do ciclo dos resíduos nitrogenados, utilização do C02, adição de fontes de carbono e oxigenação.

Por: Diego Junqueira Stevanato e Vitor Gomes Rossi - Publicado em: 19/11/2015.

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